29, 30 de junho e 1 de julho de 2017
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
A reorientação teórica dos estudos literários no sentido da sua renovada aproximação ao “real”, identificada mais tarde por alguns como o “spatial turn” (Soja, 1989) começa a desenhar-se no panorama teórico-literário a partir de meados do século XX, no momento em que teóricos de referência no campo estruturalista concedem largo espaço da sua reflexão ao relacionamento entre “a literatura e a realidade”, com o objetivo de denunciar, insistentemente, qualquer “ilusão referencial” (Barthes et al., 1982) e de remeter o espaço literário à sua especularidade intratextual (Dällenbach, 1977).
É incontestável porém que a relação do homem com o mundo constituiu, desde sempre, uma das temáticas preponderantes da história da literatura, estimulada, a partir dos séculos XIV e XV, pelas viagens que marcam a viragem da modernidade (Westphal, 2011), pela própria prática e escrita de escritores “viajantes” ao longo dos séculos XVIII e XIX, e consequente ascensão da “literatura de viagens” à categoria de género literário.
Assistimos hoje a mudanças de paradigma, em que se desenham novas territorialidades literárias, em que se interrogam as fronteiras entre o real e a ficção (Lavocat, 2016) e se erguem novas formas de abordagem do espaço literário.
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Perspetivamos hoje a produção literária em contextos e abordagens mundiais, indelimitáveis, marcados pelo triunfo da tradução (Damrosch, 2003). Ora mais centrado sobre o observador, determinando uma perceção do mundo egocentrada, ora valorizando o espaço representado através de abordagens multifocalizadas e geocentradas, o estudo da literatura demanda, presentemente, outros instrumentos operatórios para a compreensão da sua relação com o real.
Abre-se assim vasto campo às indagações de uma Geopoética que se torna necessário interrogar, no sentido de nela se destacarem as suas principais orientações teóricas e propostas metodológicas na atualidade. Quer no sentido restrito do termo, divulgado por Kenneth White a partir de finais da década de 1970 para exprimir a consciência do mundo subjacente à criação poética, quer no seu sentido mais lato, englobando a reflexão teórica suscitada pela atenção que a literatura concede ao relacionamento entre o homem e o espaço, a Geopoética anuncia-se como um campo de investigação que volta a questionar os pressupostos teóricos da referencialidade espacial e da criação literária no quadro da pós-modernidade, no qual os espaços de fronteira, de passagem, ou as configurações territoriais que novos mapeamentos dos espaços humanos proporcionam, em função de novas mobilidades, se constituem como valores fundamentais.
Face à diversidade e complexidade de questões que o texto literário convoca, os contributos oferecidos pela Geopoética ganham com o diálogo com outras reflexões e instrumentos conceptuais avançados, por exemplo, por Yi-Fu Tuan ou por Wolfgang Welsch. Na verdade, usados já por Bachelard ou Yi-Fu Tuan, os conceitos de “Topofilia” e “Topofobia” evidenciam hoje, num contexto transdisciplinar, os laços afetivos entre o homem e o espaço. O espaço é delimitado pelo indivíduo que o observa, por uma visão aberta ou fechada da identidade cultural, e justifica as políticas de inclusão ou exclusão do outro.
Percecionar um espaço condiciona as atitudes, os valores e a linguagem dos homens que o habitam, percorrem ou imaginam. Perceber um espaço obriga pois, desde logo, ao diálogo entre a poética, a retórica, a ética e a geografia. Também o conceito de “transculturalidade”, baseado no postulado eufórico da mobilidade e da porosidade entre fronteiras, fundado numa reorganização democrática das assimetrias de poder, convida a um novo olhar sobre o espaço, que se compreende dinâmico, tanto nas suas componentes político-sociais como nas dimensões culturais e literárias.
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